Transcrição da elucidativa e relevante digressão histórica do controle dos juros no Brasil, traçada, em sede doutrinária, pelo eminente Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:
A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos.
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No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País.
A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos.
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No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País.
No início do século XX, época da gestação do Código Civil de 1916, predominava a orientação ideológica liberal, que preconizava uma intervenção mínima do Estado no domínio econômico (Estado liberal).
Por isso, no Código Civil de 1916, a regra estabelecida pela 2ª parte do art. 1.262 [...] conferia aos contratantes ampla liberdade negocial para estipulação dos juros e da periodicidade de sua capitalização.
Os anos que se seguiram à vigência do CC/ 1916, no período compreendido entre as duas grandes guerras, constitui época de grande turbulência econômica e política em todo o mundo, especialmente na Europa, sendo um período de profundas modificações ideológicas no plano sóciopolítico. [...]
No Brasil, a chamada Revolução de 1930, liderada por Getulio Vargas, abre espaço para um regime político fortemente intervencionista, que culmina com o Estado Novo, instituído em 1937.
Na década de trinta surge, no Brasil, o Decreto 22.626, de 07.04.1933, que passou a ser chamado de Lei de Usura, pois, em seu art. 1º, limitou a pactuação máxima de juros remuneratórios em contratos ao dobro da taxa legal, que era estabelecida pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916. Ou seja, os juros remuneratórios máximos passaram a ser de 12% ao ano. E o art. 4º permite apenas a capitalização anual dos juros.
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Em 1964, após o golpe militar, uma das medidas preconizadas foi a reestruturação do sistema financeiro nacional para solucionar a grave crise econômica e para estimular o desenvolvimento do País.
Assim, a Lei 4.595, de 31.12.1964, estabeleceu normas para reestruturação e regulamentação do sistema financeiro nacional, atribuindo ao Conselho Monetário Nacional (art. 4º) e ao Banco Central do Brasil (art. 8º e ss.) amplos poderes para o controle das atividades das instituições financeiras nacionais, inclusive, “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros” (art. 4º, IX).
A partir desse regramento da Lei 4.595/64, passou-se a discutir se as instituições financeiras estariam submetidas às normas da Lei da Usura (Decreto 22.626/33).
Após longo debate jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 596 com o seguinte teor: “As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”.
A jurisprudência dominante consolidou-se no sentido do entendimento de que os contratos celebrados por instituições financeiras não estavam submetidos aos ditames da Lei da Usura, embora esta continuasse em vigor para todos os demais negócios celebrados por outros setores da vida econômica.
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 326-329.