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domingo, 16 de janeiro de 2011

PT – O Partido Que Nunca Foi Governo

por Dom Robinson Cavalcanti ([i])

Afirmativa inexata é a referência “a esse governo do PT”. Embora o Presidente da República seja filiado ao partido, ele nem governa com seu programa, nem com seus quadros. O “lulismo” não é igual ao petismo, assim como o “getulismo” não foi igual ao trabalhismo. Durante os oito anos da gestão lulista, houve uma redução dos quadros dirigentes petistas e uma ampliação dos oriundos da denominada “base aliada”. Ela vai do fisiológico PMDB, da esquerda à direita históricas, de ex-marxistas a ex-sustentáculos do regime militar, de ex-guerrilheiros a herdeiros das capitanias hereditárias, de sindicalistas à fina flor do empresariado, em um bem costurado “pacto das elites”, cooptando como coadjuvantes (índios em filme de cowboy) alguns trabalhadores e alguns representantes das classes médias, e incluindo os “companheiros” Collor, Renan e Sarney.


A maioria da “base aliada” apoiou o governo FHC e apoiará qualquer governo. O programa do PT foi para o espaço há muito tempo e não passa de uma peça ornamental, com a garantia que não será levado a sério. Antes das eleições presidenciais de 2002, o PT soltou a Carta de Olinda, reafirmando sua ideologia e o seu programa. Pouco depois, na calada da noite, saiu a Carta ao Povo Brasileiro (chamada de Carta aos Banqueiros), quando, pelo alto, abjurando de sua história e dos seus princípios, o partido contra o sistema optou por ser um partido no e do sistema. Um dirigente foi enviado à capital do Império para acalmar os donos do poder mundial. Outros conversaram com o capital nacional.


O que o Partido Social-Democrata alemão fez no Congresso de Bad-Godesberg, 1952, depois de um amplo debate, a cúpula do PT o fez com um ato de força. O partido que ouvia as bases passou a enquadrá-las. Ao contrário da maioria dos partidos brasileiros, desde os aristocratas no Império, e os oligarcas nos primórdios da República, o Partido dos Trabalhadores teve uma origem e uma trajetória únicas em nossa história política, nascendo de baixo para cima, incluindo os excluídos, mobilizando, debatendo, democratizando as decisões. Em sua origem estavam marxistas críticos do modelo soviético, intelectuais progressistas, religiosos de linha profética, novos sindicalistas independentes e movimentos sociais organizados. Nela havia algumas certezas: o compromisso com a preservação e aperfeiçoamento do regime democrático, das liberdades públicas e dos direitos civis, uma rejeição ao modo de produção capitalista e ao modelo totalitário soviético, a busca da justiça social em um processo participativo, tendo no horizonte a construção de um socialismo democrático fincado em nossas raízes.


Esse sonho embalou muitos e despertou o voluntariado de uma militância idealista. Porém, esse sonho já acabou há muito tempo. Os idealistas caíram fora. O realismo pragmático centralista, em torno do líder, a cooptação em cargos no aparelho do Estado, os arranhões à ética, o abandono da ideologia e do programa, as alianças com qualquer um e a qualquer preço, atestam que a estrela se apagou – hoje há apenas um nome, sem vínculos com um passado perdido. O lulismo permitiu aos banqueiros os maiores lucros do mundo, atendeu ao empresariado em quase tudo que ele pediu e, apesar da retórica e de gestos simbólicos independentes, se manteve dentro dos parâmetros permitidos pelo Império. As classes médias foram agraciadas com alguns mimos, se estatizou o clientelismo paternalista para com os pobres e se decretou que quem ganha dois salários-mínimos é membro honorário da classe média.


Como autêntico partido da ordem, o lulismo recebe criticas do sistema apenas por alguns tópicos ou ênfases, ou por razões estéticas: o presidente não é “um dos nossos”, mas um caboclo retirante nordestino sem curso universitário. Enquanto isso, o Congresso Nacional continua a ser uma pirâmide social invertida, com a maioria das minorias de cima e a minoria das maiorias de baixo. O sistema eleitoral permite que parlamentares menos votados sejam eleitos, mais votados sejam derrotados e suplentes que você nem sabe quem são – que nunca tiveram um voto – lhe representem no Senado da República. Para os cargos majoritários, sem consultas ou primárias, a escolha é feita pelas cúpulas e o eleitorado é chamado a escolher dentre aqueles que escolheram para ele escolher. Não há um Projeto Nacional. A segurança pública, a educação, a saúde, o saneamento básico e a qualificação de mão-de-obra vivem o faz-de-conta. A desigualdade social e regional é um escândalo, com Alagoas registrando 35% de miseráveis (vivendo com até um terço de salário-mínimo). Muita propaganda. A imprensa controlada por poucos manipulando muitos.

Uma eleição presidencial sem oposição ou alternativas, mas uma disputa entre o retrocesso ou quem melhor “aperfeiçoa” o continuísmo. Os cristãos continuam sem afinar os valores do Reino, fazendo diferença, mas, em sua maioria, estão alheios, desiludidos, cooptados ou perdidos como cachorros em caminhão de mudança. Orar, discernir, intervir.



[i] Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada e Anglicanismo: Identidade, Relevância, Desafios.

Fonte: www.dar.org.br

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